setembro 03, 2015

Aula de Sapiência de Mia Couto - Doutor Honoris Causa pela Apolitécnica 2015

Comunicação (aula de sapiência) de Mia Couto na cerimônia de sua distinção como "Doutor Honoris Causa" pela Universidade Politécnica de Moçambique.

Comunicação completa (Com meus sublinhados)

O LIVRO QUE ERA UMA CASA A CASA QUE ERA UM PAÍS

Todos os povos amam a Paz. Os que passaram por uma guerra sabem que não existe valor mais precioso. Sabem que a Paz é um outro nome da própria Vida. Vivemos desde há meses sob a permanente ameaça do regresso à guerra. Os que assim ameaçam devem saber que aquele que está a ser ameaçado não é apenas um governo. O ameaçado é todo um povo, toda uma nação.
Pode não ser este o momento, pode não ser este o lugar. Mas é preciso que os donos das armas escutem o seguinte: não nos usem, a nós, cidadãos de Paz, como um meio de troca. Não nos usem como carne para canhão. Diz o provérbio que “sob os pés dos elefantes quem sofre é o capim”. Mas nós não somos capim. Merecemos todo o respeito, merecemos viver sem medo. Quem quiser fazer política que faça política. Mas não aponte uma arma contra o futuro dos nossos filhos. É isto que queria dizer, antes de dizer qualquer outra coisa.
Que me seja perdoado este empolgado introito. Que me seja perdoada a falta de etiqueta que deveria começar por saudar a presença do Presidente da República, o Presidente Jacinto Filipe Nyussi. Na verdade, Excelentíssimo Presidente, talvez eu tenha adiado esse momento porque um escritor não deveria nunca declarar-se sem palavras. Na verdade, sabendo da sua intensa e preciosa ocupação, eu não encontro palavras para lhe agradecer a honra da sua presença.
O que quero dizer é saudar o seu apelo para repensarmos o modo como nos concebemos como povo e como nação. Queremos ser parte desse esforço, queremos aprender a ser um país que não exclui, um país plural e diverso. Queremos ajudar a construir uma nação que assume, sem medo, as suas diferenças. Esta nova atitude pode ser a cura para uma espécie de autismo de que vínhamos padecendo. Quero saudar a presença do Presidente Joaquim Chissano, é um prazer imenso reveê-lo.
É difícil imaginar quanto, mesmo ouvindo, podemos ser surdos. Seletivamente surdos. Escutamos os que nos são próximos, escutamos os que nos obedecem, escutamos o que nos agrada ouvir. Escutamos os do nosso partido, escutamos sobretudo quem não nos critica. Tudo o resto não existe, tudo o resto é mentira, tudo o resto é calúnia. Tudo o resto é proferido pelos “outros”. E é quase um paradoxo: porque se ocupam páginas inteiras dos jornais a dizer que os “Outros” não devem ser ouvidos. Gastam-se horas de programação radiofónica e televisiva para dizer que os outros não disseram nada. Esses “outros” que querem questionar o que fazemos, esses outros são “estranhos”, a caminho mesmo de serem “estrangeiros”. A verdade, porém, é que ninguém pode anular a existência desses “outros”. Ninguém pode negar que são moçambicanos. Ninguém pode saber se têm razão se não deixarmos que falem livremente. Esta é a grande lição do Presidente Nyussi que entendeu reconciliar uma nação apartada de si mesma. É ele que nos lembra que esses que dizem “não”, são da mesma família dos que dizem “sim”. Esta é uma mesma família que dispõe de uma única casa. Não existe outro lugar, não existe outro destino senão este que dá pelo nome de Moçambique.
Digo tudo isto sem qualquer embaraço. Porque todos nós, a começar por si, Senhor Presidente, queremos fugir da pratica da bajulação. Com a sua atitude de abertura e simplicidade, o Presidente sugere uma outra relação, mais próxima, mais verdadeira. Apesar de tudo, é fácil imaginar que junto a Vossa Excelência já se criou um cortejo de aduladores. Felizmente, veio da sua parte um sinal de alerta: assim que tomou posse, o Presidente Filipe Nyussi começou a receber gente que não batia palmas, gente que tinha interrogações e levantava críticas. Os seus ministros estão a fazer o mesmo, estão a escutar os que pensam diferente, estão a sentar-se com os que deixaram de ser ministros, estão a aprender desses outros que estavam condenados à condição de já terem sido alguém. Parece pouco perante os gigantescos problemas que enfrentamos. Mas esta forma de lidar com as pessoas pode sugerir uma outra forma de lidar com os grandes os desafios.
Por tudo isto queria muito dizer-lhe: muito obrigado, Senhor Presidente. Muito obrigado por nos ter devolvido a nossa dimensão de família. Muito obrigado por ter reabilitado o nosso estatuto de moradores na mesma casa. Durante muito tempo fomos conduzidos a construir fronteiras que nos separavam em pequenas nações dentro da grande Nação moçambicana. Durante muito tempo houve quem sugerisse que havia categorias de moçambicanos, uns mais autênticos que os outros. Ainda hoje sobrevive em alguns esse olhar de polícia de identidades. Ainda hoje há quem avalie os outros pela cor da sua pele, pela cor da tribo, pela cor do seu partido. Ainda hoje, há os que, em lugar de discutir ideias, atacam pessoas. E ainda prevalecem os que, em lugar de procurar soluções, procuram modos de esconder os problemas. Toda esta cosmética foi sendo feita em nome da unidade e do patriotismo. Toda esta encenação de normalidade é uma herança que pedia uma resposta firme. Esta resposta foi trazida por si. Sem grandes proclamações, mas de um modo firme e continuado. Conhecemos hoje essa sua mensagem: podemos ter os recursos que tivermos. Não disso é tão promissor como o nosso património humano feito de tanta gente tão diversa.
O Presidente está a criar uma dinâmica que é bem mais do que uma nova política. É uma nova cultura. E esta cultura pode marcar uma diferença em toda história de Moçambique. Parabéns por quanto já acendeu como esperança, parabéns pelo seu modo paciente, sem recurso ao autoritarismo, sem uso da demagogia fácil. Parabéns pelo caminho iniciado para devolver à política a sua dimensão ética e humana.
Magnífico Reitor, Professor Doutor Lourenço do Rosário
Dizem que os escritores são donos das palavras. Não são. As palavras, felizmente, não tem dono. Às vezes, sinto pena que assim seja. Porque se tivesse esse poder eu o aliviaria das formas de tratamento que são bem mais pesadas que estas minhas novas vestimentas.
Na verdade, o Professor Doutor Lourenço do Rosário não precisa do lustro de um título seja ele qual for. Lourenço do Rosário conquistou um lugar de respeito não apenas na academia mas na sociedade moçambicana como um homem empenhado com a sua gente e com a sua pátria. E essa autoridade moral que vem exercendo na sua função de mediador das conversações no Centro de Conferências Joaquim Chissano. Sabemos como é difícil encontrar, entre nós, personagens capazes de reunir tão amplo consenso. Somos uma nação que foi convidada a assumir-se em dualidades extremas. Os que defendem a lucidez da isenção foram sempre olhados com desconfiança.
As suas recentes palavras são um alerta para quem se esquece que o país não pertence a nenhum partido. Eu vou reproduzir essas suas palavras com o risco de o estar a citar por via dos jornais (e os jornais são mais criativos do que qualquer escritor). O Professor terá dito: “No fundo, o partido da oposição está a revelar a sua pretensão em cumprir aquilo que a gíria popular chama de “chegou a nossa vez”.
Traduzindo as suas palavras na linguagem da oralidade que Professor Rosário tão bem conhece o resultado poderia ser assim: é que para uns, a política é uma panela. É preciso comer muito e rápido porque a colher é muito disputada e a refeição pode durar pouco. Para outros, contudo, a política ainda é a nobre arte de servir os outros, a política ainda é a missão de colocar acima de tudo os interesses de todos. Possivelmente quem tanto reclama contra a partidarização não está contra o princípio em si mesmo. Quer, sim, partidarizar a dois. Não me importa o nome dos partidos. A minha questão não é tanto de ordem política que, para isso, pouca vocação me resta. É uma objecção de natureza moral. Importa-me como cidadão que persista, em alguns dirigentes moçambicanos, a ideia de que Moçambique é um quintal privado. Um quintal cujo destino é ser parcelado, conforme interesses e conveniências.
Permita-me Senhor Reitor que, apesar da solenidade deste acto, o trate pelo qualificativo mais honroso que conheço que é o de “professor”. Não existe outro título que a mim mais me honre. Durante anos, dei aulas em diferentes faculdades em Maputo. Ainda hoje, passados quase dez anos, esses meus alunos passam por mim e tratam-me por professor. Não podem imaginar o quanto isso me comove e quanto receio não ter tamanho para encher aquela palavra. Professor não é quem dá aulas. É quem dá lições. Não é aquele que vai à escola ensinar. É aquele cuja vida é uma escola.
Pois o nosso Professor Lourenço do Rosário chamou-me há uns meses para me comunicar que a Universidade Politécnica me tinha escolhido para receber este grau académico. Ele confessou que receava que eu não aceitasse esta distinção. Não sou uma pessoa de títulos, nem de honrarias. Mas não fui capaz de dizer que não. Por causa da pessoa que me falava, por causa da instituição que ele representava. Ainda tive coragem de lhe perguntar: mas a cerimónia vai ser com protocolos de fardas, discursos e chapéus? E ele respondeu laconicamente: vai ter que ser. E aquele “vai ter que ser” não deixava espaço para negociação.
Demorei meses a me habituar à ideia desta tão solene solenidade. Quando pensava que já me tinha conciliado com o fantasma das vestimentas, aconteceu um pequeno e infeliz incidente. É que tive a triste ideia de mostrar aos meus netos fotografias de uma outra cerimónias de doutoramento. E um deles, entusiasmado, perguntou: mas, avô, vais ter que vestir estas saias compridas? Pois eu quero aproveitar este momento para tranquilizar a minha querida companheira, a Patrícia, que está ali sentada e dizer-lhe o seguinte: Patrícia, por baixo destas longas saias continua a estar um homem de calças.
Quero falar ainda de Luis Bernardo Honwana, o meu padrinho. A palavra “padrinho” ganhou nos dias de hoje uma conotação deslustrosa e, a partir de agora, haverá mesmo, meu caro Luís Bernardo, quem te peça para dares um jeito e arranjes umas vestimentas para algum amigo carente de títulos. Quero dizer, no entanto, que, no teu caso, me reencontro plenamente naquilo que é a etimologia da palavra “padrinho” que é o guia e de norteador. Na verdade, há muito que o Luís Bernardo, sem o saber, vem cumprindo esse papel de modelo na minha actuação como escritor e como pessoa. É preciso repetir aqui o quanto nós, escritores moçambicanos, somos devedores a Luís Bernardo. O que ele nos deixou como legado é bem mais do que ele escreveu. É uma espécie de manifesto inaugural, uma instauração de caminhos que nós depois viemos a trilhar. Luís Bernardo Honwana, José Craveirinha, Noémia de Souza e o João Dias foram os primeiros 4 vértices dessa construção de vozes que, a um certo momento proclamaram: nós queremos escrever a história com a nossa própria caligrafia. Luís Bernardo, bem sei que és avesso a estes tratos: mas eu não posso deixar de expressar a minha infinita gratidão por seres quem és: uma figura tutelar e inspiradora na escrita, na vida e no pensamento.
Há aqui algo que devo ainda revelar: comecei a trabalhar como jornalista exatamente no mesmo jornal em que LBH se havia iniciado também como repórter. Esse jornal chamava-se a TRIBUNA. Aquele foi um tempo muito curioso porque havia um jogo de descobertas. Havia um jornalismo que andava à procura do seu próprio país; mas havia também um país que andava à busca de um jornalismo que fosse seu. E essa dupla procura pedia um jornalismo feito paredes meias com a literatura. Não foi por acaso que não apenas o Luís Bernardo mas José Craveirinha, Rui Knopfli, Carneiro Gonçalves e o Luis Carlos Patraquim foram todos eles jornalistas e escritores. Eu devo muito a essa gente, a esse ambiente de inconformismo que reinava na redação dos jornais. Recordo o primeiro dia que me apresentei na redacção e fui chamado por alguém que eu venerava como poeta e que era o Rui Knopfly. E ele perguntou: queres ser jornalista? E antes mesmo de eu responder ele passou-me uma folha de papel. Nessa folha estava reproduzida uma frase de um cantor norte americano chamado Frank Zappa. E a frase dizia o seguinte: “o jornalismo de hoje consiste em colocar jornalistas que não sabem escrever, entrevistando pessoas que não sabem falar, para pessoas que não sabem ler. “ Foi um bom começo de profissão.
Lembrou Luis Bernardo Honwana os meus pais. E estou grato por essa lembrança que faz justiça à história da minha família. Tudo o que sou vem daí, aquela é nascente do meu Tempo e do tempo dos filhos, dos netos e dos que vierem depois. O mundo em que nasci e me fiz homem alimentava-se do preconceito. Criava muralhas para separar e graduar as raças. As muralhas não ofendiam apenas os que ficavam do lado de lá. Os do lado de cá, convertiam-se eles mesmos em estereótipos. Éramos, de um e do outro lado, diminuídos pelo medo e pelo desconhecimento. Acreditamos que o efeito dos preconceitos raciais e tribais é o de tentar desvalorizar uma outra raça. E isso é verdade. Esses preconceitos resultam também numa outra pérfida consequência que é a negação da existência de pessoas singulares, cada uma com a sua identidade própria. Eis o que faz o racismo, o sexismo e o tribalismo: cada pessoa deixa de ser uma criatura única, passando a ter a identidade do seu grupo. Deixa-se de ter um rosto, uma voz, uma alma: passamos a ser identificados por um rótulo geral: os negros, os brancos, os matsuas, os macuas, os do Norte, os do Sul. Fala-se de alguém e há uma voz que diz: ah, já sei como ele é, conheço esses tipos.
Caros amigos
Irei falar sobre a erosão dos valores morais e de como pode um escritor ajudar na reabilitação do tecido moral da sociedade.
Escolhi este tema porque não conheço ninguém que não se lamente da perda de valores morais. Este é um assunto sobre o qual temos um imediato consenso nacional. Todos estão de acordo, mesmo os que nunca tiveram nenhum valor moral. E até os que tiram vantagem da imoralidade, até esses, depois de lucrarem com da ausência de regras, se queixam que é preciso travar a falta de decoro.
Um dos caminhos que nos pode ajudar a resgatar essa moral perdida pode ser o da literatura. Refiro-me à literatura como a arte de contar e escutar histórias. Falo por mim: as grandes lições de ética que aprendi vieram vestidas de histórias, de lendas, de fábulas. Não estou aqui a inventar coisa nenhuma. Este é o mecanismo mais eficiente e mais antigo de reprodução da moralidade. Em todos os continentes, em todas as gerações, os mais velhos inventaram narrativas para encantar os mais novos. E por via desse encantamento passavam não apenas sabedoria mas uma ideia de decoro, de decência, de respeito e de generosidade.
Há certa de trinta anos atrás Graça Machel - que era então Ministra da Educação - convocou um grupo de escritores para lhes dizer que estava preocupada. Estou preocupada, disse ela, estamos a ensinar nas escolas valores abstractos como o espírito revolucionário, do patriotismo, o internacionalismo. Mas não estamos a ensinar valores mais básicos como a amizade, a lealdade, a generosidade, o ser fiel e cumpridor da palavra, o ser solidário com os outros. E ela pediu-nos que escrevêssemos histórias que seriam publicadas nos livros de ensino. Graça Machel tinha a convicção que uma boa história, uma história sedutora, é mais eficiente do que qualquer texto doutrinário.
Eu queria ilustrar o poder das histórias com dois pequenos exemplos. Nestes próximos momentos partilharei convosco duas vivências e o modo como essas experiências produziram em mim duradouras lições.
O primeiro episódio – uma nação à procura de um hino
Ainda há pouco entoamos nesta sala o Hino Nacional. Este hino tem uma história e eu estou ligado a essa história. Aconteceu assim: no início da década de 80, Samora Machel decidiu que o Hino Nacional então vigente deveria ser mudado. Ele tinha razão: a letra era mais um louvor à própria Frelimo do que de uma exaltação da nação moçambicana. Estávamos ainda longe do multipartidarismo, mas Samora tomou essa decisão. E nessa maneira que era a sua, “requisitou” 4 poetas e 5 músicos e fechou-os numa moradia na Matola com a incumbência de produzirem não uma, mas várias propostas de hinos. Eu era um dos 4 poetas. Eram tempos de guerra, a única coisa que havia nas lojas eram prateleiras vazias. Todos os dias saímos de casa com uma única obsessão: o que trazer para comer para a nossa família. Pois, nessa altura, de repente, estávamos numa casa com piscina, rodeado de mordomias e servidos de comida e bebida. Confesso que nos primeiros dias ficamos de tal modo fascinados que pouco trabalhávamos. Quando, a meio da tarde, escutávamos as sirenes dos carros dos dirigentes nós corríamos para o piano e improvisávamos um ar de grandes cansaços. Ao fim da tarde, eu e os meus colegas entregávamos às nossas esposas que nos vinham visitar, recipientes com a comida que cada um de nós tinha poupado durante o dia. E foi assim que, ao fim de uma semana, produzimos uma meia dúzia de hinos que foram ensaiados por um grupo coral e apresentados a uma comissão avaliadora. Havia duas propostas que mereciam a nossa preferência: uma delas era esta que agora é o nosso hino nacional, a Pátria Amada. A outra era baseada numa composição do maestro Chemane e tinha um estribilho que dizia: “Pátria de heróis! Levanta a tua voz! Viva Moçambique, povo unido, A estrela do amanhã brilhará!” O grupo coral que apresentou esta proposta em vez de Pátria de Heróis cantava: “Pátria de arroz” e a proposta ficou esquecida.
O que sucedeu é que, por razão que desconheço, a iniciativa de Samora não teve seguimento. Samora morreu, o grupo de artistas foi desfeito e cada um de nós voltou para a bicha à espera do repolho e do carapau. E nunca mais nos lembramos do que havíamos feito.
Uma década depois, o novo parlamento pluripartidário procurava um novo hino nacional. E eu fiz parte de um grupo de trabalho criado pela Assembleia da República. Esse grupo juntava pessoas apontadas pelo Partido Frelimo e pela RENAMO. Devo dizer que trabalhamos de facto juntos, num ambiente de concórdia tal que nos esquecíamos de que representávamos duas forças rivais. Fizemos dois concursos públicos mas as propostas recebidas eram todas elas muito fracas. O falecido Albino Magaia publicou então um artigo relembrando os hinos que, dez anos antes, um grupo de artistas havia criado. E foi assim que se resgataram esses registos quando estávamos nos últimos dia de trabalhos da assembleia. Escolhemos o Patria Amada com algumas dúvidas. O que não havia dúvida, porém, era que se o hino não fosse aprovado naquele dia, ter-se-ia que esperar pela próxima sessão meses depois. E aquela era uma questão de enorme sensibilidade e urgência.
Pois nesses derradeiros momentos, os colegas da RENAMO colocaram objecções sobre algumas passagens da letra. Para dizer a verdade, a maior parte dessas objeções tinha sentido. porque alguns dos versos daquela letra eram realmente marcados pelo tempo de revolução. Já não se exaltava nenhuma força política. Mas falava-se de proletários, falava-se no Sol vermelho. Pedi ao grupo de trabalho uns minutos e, ali num quarto ao lado, alterei as passagens que suscitavam polémica. Foi ali que surgiu o “Sol de Junho”, por exemplo, para substituir o Sol Vermelho. E o hino foi aprovado pelo grupo e transferido para debate entre os deputados.
Curiosamente uma das passagens que suscitou mais objecções foi essa que diz “Nós juramos por ti Moçambique, nenhum tirano nos irá escravizar”. Alguns deputados achavam que aquilo não devia estar ali. Porque, segundo eles, nunca teríamos em Moçambique a ameaça de um tirano. Todos os países do mundo podem sofrer essa eventualidade. Nós, não. Não imagino como se pode sustentar essa certeza. Subsiste a ideia ingénua que nós, moçambicanos, estamos, por qualquer razão divina, acima dos comuns mortais. Mas nós somos humanos e existirão entre nós aqueles, que na ganância do mandar, já são tiranos antes mesmo de conquistarem o Poder. Ainda bem, caros amigos, que essa estrofe não foi retirada. Há muitos modos de ser tirano. Há vários modo de ser escravo. E é bom que o nosso hino nos encoraje a não aceitar nenhum forma de tirania ou de escravatura.

Segundo episódio - O não discurso de Samora
No Quarto Congresso da Frelimo, em 1983, fui designado como responsável do Gabinete de Imprensa. Nós, os jornalistas, ficávamos confinados a um compartimento envidraçado, numa espécie de aquário suspenso sobre a grande sala. Na altura, nós já produzíamos emissões de televisão para além, é claro, da rádio e dos jornais. Logo no inicio dos trabalhos, Samora Machel subiu ao pódio para usar da palavra. Trazia consigo o Relatório do Comité Central que era, à maneira dos partidos revolucionários, um documento volumoso. Assim que começou a ler, Samora teve uma breve hesitação, colocou os papéis na bancada e falou de improviso. Foi um improviso breve mas o que ele disse foi, para mim, mais importante e mais duradouro que o extenso relatório do Comité Central. Inclinado sobre o pódio, como se ganhasse a proximidade de uma confidencia, Samora convertei a solene Sala de Congressos num espaço com intimidade familiar. E falou do seu sentimento de estranheza ao ver-se como um ex-guerrilheiro agora rodeado de facilidades, cercado pelas obrigações protocolares e de segurança de um palácio presidencial. E disse mais, falou daquilo que ele chamou das “balas doces do inimigo”. Referia-se às formas mais subtis de sedução e de corrupção que, no seu entender, eram mais perversas que as verdadeiras balas. E ele interrogou-se se os seus companheiros estariam preparados realmente para esse embate, se estavam preparados para enfrentar as balas de açúcar. A sala estava suspensa naquela confidência. A rádio e a televisão transmitiam em direto aquele desabafo do Presidente. E escutavam-se não só as palavras mas os silêncios e a respiração inquieta do presidente. Naquele momento, um oficial do protocolo entrou na Gabinete de Imprensa e entregou-me um papel com uma instrução rabiscada que dizia: interrompam imediatamente a transmissão. Aquilo foi, para mim, um balde de água fria. Porque me parecia, como jornalista e como cidadão, que estava ali a acontecer tinha um alcance didático que não poderia ser recuperado se perdêssemos a transmissão. Mas havia naquele bilhete uma ordem que eu não tinha modo de refutar. Ocorreu-me uma pequena manobra de diversão. Eu queria apenas uns minutinhos adicionais. Quem sabe o Presidente não usasse mais que esses minutos? E escrevi o seguinte nas costas no bilhete: desculpe, não entendo bem a assinatura, não se importa de identificar melhor, afinal é o Presidente quem está falar.... Dobrei muito lentamente a folha e pedi ao mensageiro do protocolo que fosse de volta. Aquele vai e vem deu-me tempo para que o presidente terminasse o seu improviso em transmissão direta.
De toda a minha carreira de onze anos de jornalismo talvez tenha sido este o momento maior. Porque estava ali um dirigente de uma nação que se despia do seu estatuto infalível e partilhava não uma certeza, mas a confissão de uma insegurança, de um fragilidade. Estava ali não um líder revolucionário discursando em voz alta, mas um homem dobrado pela angústia e murmurando dúvidas sobre o quanto valera a pena toda a sua luta.
Durante um intervalo desse mesmo congresso tive a oportunidade de me sentar com um grupo de veteranos da luta de libertação nacional. E eles foram relatando como saíram clandestinamente do país para se juntarem à luta nacionalista. Alguns desses homens confessaram que o principal motivo da sua fuga não era a libertação da pátria. O que os movia a sair de Moçambique era poderem estudar. E quando, na Tanzania, receberam a notícia que, em vez de estudar, iriam combater esses militantes foram assaltados por dilacerantes dúvidas. Alguns pensaram em desertar e fugir dos campos de treino. Foi isto que confessaram. E eu pensei que havia mais coragem naquela confissão, do que em toda a sua arriscada odisseia. Aquelas pequenas histórias humanizavam a narrativa solene e oficial que apresenta a epopeia dos nacionalistas como um desfile de super-homens. Afinal, o ninguém nasceu herói. Ele cresceu, teve duvidas, sentiu medo. A bravura maior não está no modo como combateu aos outros. A grande coragem está no combate interior, esse que fazemos para nos superar a nós mesmos.
Falei-vos há pouco dessa proposta de hino chamada Pátria de heróis que foi entoada como Pátria de Arroz. Lembro-me que, na altura, até gostei do equívoco dos cantores, porque me vieram à memória as palavras de Albert Camus quando recordava a Argélia onde ele nasceu e dizia: “Pobre do país que precisa de heróis”.
Naquela altura achei que talvez fosse preferível uma pátria de arroz a uma pátria de heróis. A verdade é que a nossa epopeia nacional foi apropriada por um discurso vazio de exaltação patrioteira.
O resultado é que as nossas ruas e praças estão recheadas de nomes de heróis. A esses heróis, porém, falta-lhes rosto, falta-lhe voz, falta-lhes vida. Herdámos uma história heroica de heróis sem história. Só temos a História com H maiúsculo. Faltam-nos as pequenas histórias, falta-nos os pequenos episódios que seduzem a imaginação e sustentam a memória.
Caros amigos
Um dia destes, um jovem funcionário propôs-me o pagamento de um suborno para emitir um documento. Aquilo não correu bem porque ele, num certo momento, reconheceu-me e recuou nos seus propósitos.
Para se redimir o jovem explicou-se da seguinte maneira:
- Sabe, senhor Mia eu gostava muito de ser uma pessoa honesta, mas falta-me o patrocínio.
Não será exatamente o patrocínio que nos afasta da honestidade. O que nos falta é criar uma narrativa que prove que a honestidade vale a pena. Houve quem confundisse o combate contra a pobreza absoluta pelo combate pela ganância absoluta. Sugeriram-nos que a auto estima pode ser resolvida pela ostentação do luxo.
Uma certa narrativa quer ainda provar que vale a pena mentir, que vale a pena roubar, e que vale a pena tudo menos ser honesto e trabalhar. Aliás, a palavra “trabalho” suscita fortíssima alergias. Pode-se ter negócios, pode-se ter projetos. Mas ter um trabalho isso é que nunca. Que o trabalho leva muito tempo e, além disso, dá muito trabalho. Mas, no fundo, todos sabemos: enriquecer rápido e sem esforço só pode ser feito de uma maneira: roubando, vigarizando, corrompendo e sendo corrompido. Não existe, no mundo, inteiro, uma outra receita.
Preocupa-nos que os nossos estudantes entrem para universidade com fraco desempenho académico. Pois eu acho mais preocupante ainda que os nossos jovens cresçam sem referências morais. Estamos empenhados em assuntos como o empreendedorismo como se todos os nossos filhos estivessem destinados a serem empresários. Ocupamos em cursos de liderança como se a próxima geração fosse toda destinada a criar políticos e líderes. Não vejo muito interesse em preparar os nossos filhos em serem simplesmente boas pessoas, bons cidadãos do seu país, bons cidadãos do mundo.
Escrevi uma vez que a maior desgraça de um país pobre é que, em vez de produzir riqueza, vai produzindo ricos. Poderia hoje acrescentar que outro problema das nações pobres é que, em vez de produzirem conhecimento, produzem doutores (até eu agora já fui promovido..,) . Em vez de promover pesquisa, emitem diplomas. Outra desgraça de uma nação pobre é o modelo único de sucesso que vendem às novas gerações. E esse modelo está bem patente nos vídeo-clips que passam na nossa televisão: um jovem rico e de maus modos, rodeado de carros de luxo e de meninas fáceis, um jovem que pensa que é americano, um jovem que odeia os pobres porque eles lhes fazem lembrar a sua própria origem.
É preciso remar contra toda essa corrente. É preciso mostrar que vale a pena ser honesto. É preciso criar histórias em que o vencedor não é o mais poderoso. Histórias em que quem foi escolhido não foi o mais arrogante mas o mais tolerante, aquele que mais escuta os outros. Histórias em que o herói não é o lambe-botas, nem o chico-esperto. Talvez essa histórias sejam o tal patrocínio que faltou ao nosso jovem funcionário.
Tudo isto é urgente e imperioso. Porque nós estamos na eminência de desacreditar de nós mesmos. Todos nós já escutámos de alguém a seguinte desistência: não vale a pena, nós somos assim. Nós somos cabritos à espera de ser amarrados num qualquer pasto. Estamos a aprender a desqualificarmo-nos. Estamos a replicar o racismo que outros inventaram para nos despromover como um povo de qualidade moral inferior.
E vou terminar partilhando um episódio real que foi vivido por colegas meus. Depois da Independência, um programa de controlo dos caudais dos rios foi instalado em Moçambique. Formulários foram distribuídos pelas estações hidrológicas espalhadas pelo país. A guerra de desestabilização eclodiu e esse projeto, como tantos outros, foi interrompido por mais de uma dúzia de anos. Quando a Paz se reinstalou, em 1992, as autoridades relançaram esse programa acreditando que, em todo o lado, era necessário recomeçar do zero. Contudo, uma surpresa esperava a brigada que visitou uma isolada estação hidrométrica no interior da Zambézia. O velho guarda tinha-se mantido ativo e cumprira, com zelo diário, a sua missão durante todos aqueles anos. Esgotados os formulários, ele passou a usar as paredes da estação para registar, a carvão, os dados hidrológicos. No interior e exterior, as paredes estavam cobertas de anotações e a velha casa parecia um imenso livro de pedra. Ao receber a brigada o velho guarda estava à porta a estação, com orgulho de quem cumpriu dia após dia: acabou-se o papel, disse ele, mas o meus dedos não acabaram. Este é o meu livro. E apontou para a casa.
E esta é a história com que termino.

Mia Couto


junho 09, 2014

EDUCAÇÃO: FOCUS MOÇAMBIQUE

Existe um descontentamento generalizado dos professores em relação ao seus ordenados (salários). Mas o mais preocupante no meu entender devia ser as condições de trabalho, pois a situação em que os professores e alunos estão sujeitos no Processo de Ensino e Aprendizagem deixa preocupado qualquer pedagogo. Podemos dizer que vários governos, sobretudo de CHISSANO E GUEBUZA (20 anos no Total), perderam uma boa oportunidade para investir na Educação. É comum encontrar nas zonas interiores de Moçambique uma infraestrutura de material precário, algo que se parece com uma Capoeira de Patos, mas que foi construído pelo governo para servirem de salas de aulas. Isto é uma falta de respeito pela vida humana, falta de respeito pela população do interior e falta de respeito da classe docente.
Associado a este aspecto, as salas de aulas não oferecem quadro preto, não oferecem carteiras, a higiene é precária visto que algumas não tem casas de banho (banheiro ou WC/toilets) e as necessidades menores são feitas ao relento. É uma utopia falar de biblioteca, a maioria dos professores não tem fornação num país que temos uma Universidade Pedagógica que diariamente lança para o mundo milhares de profissionais em ensino, psicopedagogia, educação, entre outros.
Ao leres este post, parece até ficção, acorda isso tudo é real. O futuro do país está comprometido. Agora, os mega-projetos recorrem ao estrangeiro para recrutar a mão-de-obra porque em Moçambique quadro para áreas dos recursos mineiras contam-se aos dedos. Como é que em quatro (4) décadas não conseguimos formar quadros para essas áreas? Ora, se não temos quadro, qual é a pressa em explorar essas minas se de longe irão beneficiar-nos?
Antes de nós definirmos os nossos FOCUS individuais, parece que o nossos governantes deviam sonhar com Moçambique e definir o FOCUS para o desenvolvimento económico coletivo porque se queremos a Unidade Nacional então tem que existir um Programa de Desenvolvimento Nacional. Neste programa, a Educação deve ser a força motora e não apenas uma propaganda política. O professor deve ser valorizado não apenas a nível salarial mas também em termos de condições de trabalho.

julho 09, 2013

“O desespero dos fiéis”

Estes ignorados parágrafos, até a pouco tempo atrás, tinham sido escritos e lidos apenas por mim, talvez pelo receio ou mesmo medo de me expressar livremente em torno do labirinto da empregabilidade em Moçambique e ser confundido como um elemento político em objecção ao sistema vigente.
Todos dias nas televisões vemos pessoas discutirem o problema da empregabilidade em nosso país. Todos dias essas pessoas apontam para a crise económica como a principal causa do desemprego. Todos dias esquecem a antiguidade da falta de oportunidades de emprego em Moçambique.
Quando em mil novecentos e setenta e cinco nos tornamos independentes da colónia fascista portuguesa, herdamos uma economia atrasada, deformada e dependente. Dentre várias causas, estava o facto do abandono em massa dos portugueses do país, toda a força do trabalho com formação, este facto viria a ter grande influência na continuação do desenvolvimento do país.
Passados trinta e oito anos, continuamos a ignorar este problema na qual ainda ressentimos e porque temos alguns milhares de técnicos médios e superiores formados, maltratamos as novas e futuras gerações dando-lhes uma educação sem qualidade, uma educação sem formação. Pensamos que o país está abastecido de quadros e que já não há mais emprego. Afirmamos que para estes a leitura e a escrita é o mais essencial e enterramos sonhos. Só porque atingimos uma fase onde para um professor formado ter uma vaga tem que esperar que um colega morra para poder o substituir. Vivemos na sombra do capitalismo, inalamos um discurso político em torno do empreendedorismo enquanto erguemos o socialismo sonegado.
Hoje, vós filhos da Pátria Amada e não só, netos de uma África condenada pelo ocidente com ajuda dos seus próprios líderes, encontram-se no desespero por falta de emprego. Tantas foram as tentativas de concorrer para uma vaga já ocupada, agora presos na angústia da mais ampla expressão acham estreiteza, negra ideia do abismo assombra a vossa mente. Eu também sinto isso, sinto a vossa alma querer lutar com vosso tormento. Contenda inútil! Vejo-vos procurar forças para enfrentar a injustiça da selecção dos candidatos nos concursos; vejo-vos procurar canal seguro para denunciar o nepotismo e a corrupção na atribuição das vagas e vejo-vos atrás de forças para ultrapassar a sensação de impotentes.
Não nos embrenhemos no vale do desalento. Digo-lhes hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, eu ainda tenho um sonho.
Um sonho difícil, mas possível.
Eu tenho um sonho que um dia a justiça social será reposta e as oportunidades de emprego serão iguais para todos moçambicanos, seja do Norte ou do Sul, seja do campo ou da cidade. Eu tenho um sonho que amanhã mesmo aquele cidadão pacato que vive no bairro de lata em Muaivire ou Santagua, vai ter oportunidades de se formar e andar de gravata como aqueles jovens da cidade.
Eu tenho um sonho que um dia cada cidadão terá apenas um emprego, o que permitirá o incremento da auto-estima do trabalhador, fortalecerá o conhecimento, competências e habilidades para dar mais contributo na economia do país.  
Eu tenho um sonho que amanhã vocês não permitirão essa penúria que vivemos hoje. Um dia deixaremos de pagar dinheiro para comprar uma vaga, seja na função pública ou no sector privado, porque teremos um gabinete de combate a corrupção mais vigilante e funcional. 
Eu tenho um sonho que um dia vocês acabarão com a edificação de genealogia nas instituições do estado favorecidas pelo nepotismo. Eu tenho um sonho que amanhã mesmo aquele cidadão pertencente a uma agremiação política dominante no momento terá que passar por um concurso público para conseguir o emprego.
Meus amigos! Eu tenho um sonho muito difícil, mas não impossível.
Eu tenho um sonho que um dia vocês formados em História, Literatura, Línguas Bantu, Filosofia, entre outras ciências sociais se orgulharão das vossas áreas de formação e não sofrerão mais as humilhações de vozes ignorantes e agressivas de que o vosso ramo não é relevante para o momento que o país se encontra (improdutivos). Um sonho moçambicano onde todas profissões desfrutarão do mesmo valor e respeito, onde não existirão profissões “condenadas do sistema”.
Com a concretização do meu sonho alcançaremos a concórdia, a paz e o desenvolvimento. Erguer-se-á o verdadeiro contrato social do Estado com seu povo. Os jovens do Pântano Quelimanensse até Matola, da Beira a Baia de Pemba poderão desfrutar os mesmos horizontes do sol que brilha em suas mentes, “renascerá o sonho ondulado na Bandeira e lavrarão na certeza do amanhã”.
Nós vivemos hoje as imposições do capitalismo o “open-market”, contudo a nossa educação, o nosso ensino continua longe de responder as nossas perspectivas, ela não é objectiva, não é praticável, pois continuamos a falar de empreendedorismo enquanto mal formamos pessoas para o mercado de emprego. Essas políticas devem extravasar a retórica, porque senão nunca seremos iguais ao nosso sonho.
Este é o meu sonho e gostaria que fosse vosso também, para amanhã todos dizermos “sim, nós podemos”, temos que ter fé nele, para amanhã não nos tornarmos órfãos das nossas próprias utopias.

Nordito Hilário Pente

outubro 16, 2012

Moçambique e Governação Africana

O sexto Índice Ibrahim de Governação Africana (IIAG), referente ao ano de 2012, divulgado, esta segunda-feira (15), coloca Moçambique na oitava posição entre 12 países da África Austral e em 21ª no conjunto dos 52 países analisados.
O IIAG de 2012 oferece pormenores completos sobre o desempenho de Moçambique em quatro categorias de governação, nomeadamente: Segurança e Estado de Direito, Participação e Direitos Humanos, Desenvolvimento Económico Sustentável e Desenvolvimento Humano.
Em termo de desempenho, o país obteve 55 pontos (em 100 possíveis) para a governação global. Teve ainda uma pontuação inferior à média regional da África Austral, que é de 59, e uma pontuação superior à média continental, que é de 51.
Na categoria de Segurança e Estado de Direito, obteve a sua pontuação mais alta (63), enquanto a mais baixa foi para a classe de Desenvolvimento Humano (47). Ao nível das subcategorias, a melhor classificação de Moçambique é em Género (4º) e a pior em Educação (46º). Entre 2000 e 2011, a pontuação de governação global de Moçambique melhorou.
Desempenho da África Austral no IIAG de 2012
A África Austral é tida como a região com melhor desempenho no IIAG de 2012, pois o seu desempenho é forte em todas as quatro categorias analisadas. Esta situação conferiu para esta região o 1º lugar nas categorias de Segurança e Estado de Direito e Participação e Direitos Humanos e em 2º lugar nas categorias de Desenvolvimento Económico Sustentável e Desenvolvimento Humano.
Ademais, a África Austral tem uma pontuação superior à média continental nas quatro categorias e em 13 das 14 subcategorias do IIAG. Enquanto isso, o Sector Rural é a única subcategoria em que a pontuação ficou abaixo da média continental.
Resultados gerais
O IIAG de 2012 mostra que a governação em África melhorou desde 2000. Nos últimos 12 anos, a nível continental, houve melhoramentos em 11 das suas 14 subcategorias. Os casos de maior relevo registam-se nas subcategorias de Saúde, Sector Rural e Género, com todos os indicadores a mostrarem evolução positiva.
Ao nível dos indicadores, dos 88 incluídos no IIAG, os maiores progressos surgem em Tensões Transfronteiriças, Convenções Internacionais Principais dos Direitos Humanos, Legislação sobre Violência contra as Mulheres, Rácio entre Serviço da Dívida Externa e Exportações, Conectividade Digital e Disposições para Tratamento Anti-retroviral.
Mudanças desfavoráveis nas potências regionais de África
Embora a governação continue a melhorar em muitos países africanos, algumas das potências regionais de África – Egipto, Quénia, Nigéria e África do Sul revelaram um desempenho da governação desfavorável desde 2006. Ao longo dos últimos seis anos, todos os quatro países pioraram em duas das quatro categorias do Índice: Segurança e Estado de Direito e Participação e Direitos Humanos.
Os países em alusão foram os quatro sofreram maior deterioração na subcategoria de Participação, que avalia o grau em que os cidadãos têm liberdade para cooperar no processo político. Entretanto, a África do Sul e o Quénia também registaram declínios no Desenvolvimento Económico Sustentável. E a Nigéria, potência da África Ocidental, caiu pela primeira vez este ano para o grupo dos dez países com pior desempenho de governação do continente.
Abdoulie Janneh, ex-secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África e membro da administração da Fundação Mo Ibrahim, disse que “tendo em conta os vastos recursos naturais e humanos destas quatro potências regionais, estes resultados da governação são uma preocupação. Cada um destes países desempenha um papel fulcral no panorama económico e político do continente. A continuação do desempenho optimizado desse papel requer um compromisso sustentado para com uma governação equilibrada e equitativa”.
Tendências regionais diversas
Enquanto a África Ocidental, Central e Austral estão a melhorar lentamente as suas classificações globais de governação, tanto a África do Norte como a África Oriental registaram declínios. A África Oriental foi agora superada pela África Ocidental na categoria de Desenvolvimento Económico Sustentável. Dois dos países-âncora da África Oriental – Quénia e Uganda – revelaram deterioração no Desenvolvimento Económico Sustentável, arrastando para baixo as tendências da região.
A importância do “equilíbrio”
Em geral, desde 2006, os desempenhos mais fortes do continente registam-se nas categorias de Desenvolvimento Económico Sustentável e Desenvolvimento Humano, nas quais se verificaram melhoramentos em todas as subcategorias. Todavia, as categorias de Segurança e Estado de Direito e Participação e Direitos Humanos registaram declínios, sobretudo por retrocessos em três subcategorias: Estado de Direito, Segurança Pessoal e Direitos.
Este desequilíbrio do desempenho da governação entre as quatro categorias principais do IIAG foi realçado nas duas anteriores edições do índice, quando o Egipto, a Líbia e a Tunísia se destacaram como exemplos. Esta característica, que permeia todo o continente, continua a ser uma preocupação.
Ao longo dos últimos seis anos, quase metade (21) dos 52 países africanos registou um crescente desequilíbrio entre as quatro categorias. O IIAG de 2012 mostra que cinco dos seis países com maiores desequilíbrios pertencem à África do Norte: Argélia, Egipto, Líbia, Marrocos e Tunísia. A África do Norte não só permanece como a região mais desequilibrada de África, como também passou pela maior deterioração regional da governação desde 2006. Contrariamente às outras quatro regiões, a África do Norte é a única que sofreu agravamentos nas subcategorias de Segurança Nacional, Gestão Pública e Infra-estruturas.
Mo Ibrahim, Presidente da Fundação Mo Ibrahim, afirmou que “é encorajador notar que os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) contribuíram para o melhoramento de todos os 52 países na categoria de Desenvolvimento Humano desde 2000. No entanto, o quadro pós-ODM tem agora o potencial para conseguir melhoramentos similares em todo o leque de bens e serviços que todos os cidadãos têm o direito de esperar e que os governos têm a responsabilidade de proporcionar”.
Melhoramentos gerais em matéria de género, mas a África Ocidental fica para trás
Em todas as regiões, a mais elevada pontuação em subcategorias da categoria de Participação e Direitos Humanos foi alcançada no Género. A excepção que se destaca é a África Ocidental, que recebe no Género a mais baixa pontuação entre as subcategorias. A África Ocidental apresenta um desempenho abaixo do desejável nesta dimensão nuclear da governação, em comparação com outras subcategorias de Participação e Direitos Humanos.
Mary Robinson, ex-Presidente da Irlanda e membro da administração da Fundação Mo Ibrahim, disse que “a igualdade de género é uma questão fundamental da governação, tal como captada pelo IIAG. Não se trata apenas de uma questão de direitos humanos. As mulheres de África têm a capacidade para originar mudanças notáveis e, por conseguinte, a equidade e a igualdade entre homens e mulheres são do interesse estratégico dos líderes e governos africanos”.
Histórias de sucesso e alguns fracassos
Ao longo dos últimos seis anos, a Tanzânia subiu nas classificações do IIAG, tendo agora entrado no grupo dos dez primeiros pela primeira vez. Angola, Libéria e Togo saíram do grupo dos dez países com pior desempenho do IIAG. Foram substituídos pela Eritreia, a Guiné-Bissau e a Nigéria.
Entre 2000 e 2011, sete países demonstraram um melhoramento significativo na sua classificação global de governação: Libéria, Angola, Serra Leoa, Ruanda, Congo, República Democrática do Congo e Zâmbia. Um país, Madagáscar, teve um declínio significativo.
Ao nível das várias categorias, foram conseguidos melhoramentos significativos em Segurança e Estado de Direito pela Libéria e a Serra Leoa, em Participação e Direitos Humanos por Angola, Guiné e Libéria, em Desenvolvimento Económico Sustentável por Angola, Libéria, Maurícias e Serra Leoa, e em Desenvolvimento Humano pelo Níger. Registaram-se deteriorações significativas em termos de Segurança e Estado de Direito na Líbia e em Madagáscar e de Participação e Direitos Humanos em Madagáscar.
Autonomia estatística
A Fundação Mo Ibrahim continua a promover a necessidade de dar resposta à escassez de dados africanos e a importância da autonomia interna dos países africanos.
Mo Ibrahim declarou: “A boa governação tem a ver com o domínio dos recursos de um país para atingir os resultados que qualquer cidadão do século XXI tem o direito de esperar. Um dos maiores desafios ao avanço da liderança e da governação africanas é o de ter o controlo sobre o seu próprio sistema estatístico robusto. A soberania política começa pela autonomia de dados”.

setembro 13, 2012

AS EXIGUIDADES DO BEM

Neste artigo, Nordito Pente apresenta uma analise do drama que a população vive como resultado das decisões políticas tomadas e se preferirmos não tomadas do governo do dia. Faz um rico cruzamentos da política com a  religião e concluí falta boa fé nos nossos governantes por isso estão pouco de importando com os quais dentro em breve irão pedir-lhes o bendito voto.
DISPONÍVEL BREVEMENTE NESTE SÍTIO

maio 05, 2012

A Caminho da Desordem

Um Olá aos nossos fiéis leitores
Por motivos de compromisso com o direito à informação
Viemos informar que o artigo: A caminho da Desordem vai levar mais tempo do que o previsto para a sua publicação, tudo devido a obtenção de novos factos que antes estavam relativamente ocultos na análise dos 20 anos de Paz em Moçambique. Contudo, para melhor perceberem o artigo quando for publicado, o Autor do Artigo: Órfão da Utopia, vem por meio desta facultar os protocolos dos: Acordos Gerais de Paz em Moçambique